Movimento funk rompe a mesmice cultural
14:13O Governador Marcello Alencar,
pressionado por expressivos lideres comunitários, examina a possibilidade de
apoio oficial ao movimento funk, condicionado ao fim da violência nos mais de
600 bailes promovidos a cada fim de semana e também ao consumo de drogas pelo
milhão de jovens das camadas mais pobres da população carioca que os frequenta.
Pelas mesmas razões que
dificultam a penetração desse estilo musical, inventado por negros americanos,
entre os jovens das camadas médias cariocas, a adoção do funk por jovens favelados
e os mais pobres suburbanos faz a muitos parecer imensa tolice do governador
gastar seu tempo com o assunto. Recentemente, porém, num festival de música promovido
pelo MCM-Baby Garden — um dos mais conceituados colégios particulares da
Tijuca, aplausos de crianças até do material e do jardim de infância garantiram
o primeiro prêmio ao rap apresentado por dois alunos da terceira série, moradores
de edifícios, que fazem escandaloso contraste cem os barraco, das proximidades.
“Talvez seja a hora de deixar de lado
os preconceitos e a procura da pureza perdida”, comenta o doutor em Antropologia
Social Hermano Vianna, autor, em 1988, de “O mundo funk carioca” (Jorge Zahar).
“Para isso, basta seguir o velho
e bom conselho de Levy-Strauss: “É preciso também estar pronto para considerar
sem surpresa, sem repugnância e sem revolta o que essas novas formas sociais de
expressão não poderão deixar de oferecer de inusitado.”
Vianna lembra que “os números colocam
o baile funk como uma das diversões, mais populares da cidade, onde só a praia
parece atrair com essa frequência um público fiel maior”, esclarecendo que utiliza
o adjetivo em sentido ambíguo, para despeitar a discussão em torno do
significado do termo: seria aquilo que é consumido pelo maior numero de pessoas
ou — seguindo uma certa tradição intelectual — aquilo que é autêntico, isto é,
produzido pelo povo, para o povo, sem intermediários?
Par o pesquisador, o baile funk
carioca é um exemplo bastante rico de como elementos culturais, de procedências
diversas — autênticos ou não, artificiais
ou não, impostos pela indústria cultural ou não — podem se combinar, de
maneiras inusitadas, gerando novos aos modos de vida e afastando a hipótese da
homogeneização cultural da humanidade, de que fala Umberto Eco em ‘Apocalípticos
e integrados” (São Paulo, Perspectiva. 1979).
“A fragilidade do conceito de cultura
popular”, lembra Vianna, “já foi demonstrada por vários autores, e José Guimarães
Magnani, na resenha da bibliografia sobre esses assuntos, destaca que, para
uns, mais do que nunca a cultura do povo sob o influxo da ideologia dominante
está se descaracterizando, transformando-se instrumento de alienação; para outros, ela é um meio de resistência à
dominação. Isso estabelece, porem, uma separação muito rígida entre o que é
produzido para o povo, não podendo haver qualquer intercambio entre os dois
tipos de produção, e acaba desprezando integralmente os produtos, da indústria
cultural”.
O antropólogo recorda ainda que Francisco
Welfort, hoje ministro da Cultura, demonstra tal desprezo ao exemplificar, que
um nordestino portador de cultura regional de alcance nacional, ao chegar a São
Paulo defronta-se com um mundo praticamente vazio, dotado de uma cultura urbana
extremamente pobre, onde um capitalismo predatório e selvagem destruiu a
cultura regional tradicional e não foi capaz de criar nada em seu lugar.
“Mesmo que deixemos de lado a questão
de saber se a cultura regional foi realmente destruída, devemos concordar com a
afirmação de que a cultura urbana é vazia? Música brega é nada? Funk é nada?
Telenovela é nada?” questiona Hermano Vianna.
Para aquele cientista do Museu Nacional,
a existência do mundo funk carioca contraria em vários ponto as teses sobre o funcionamento da indústria
cultural no Brasil:
“O consumo de funk no Rio não pode
de maneira alguma ser considerado uma imposição dos meios de comunicação de
massa. Pelo contrário, parece até haver um complô dessas mídias com o objetivo
de ignorar o fenômeno”.
Ao escrever sobre o assunto, em
1987 e 1990, Hermano Vianna observa que “os discos que fazem mais sucesso nos
bailes, na maioria absoluta dos casos, não são lançados no Brasil: as emissoras
de rádio e televisão quase não dão espaço para a música funk. Os jornais não
anunciam os bailes que, apesar de tudo isso, permanecem lotados. O desejo por
funk parece algo interno à comunidade carioca que o consome, sem depender da ajuda
ou do incentivo de instituições externas”
Créditos: Archibaldo Figueira - Ano/95
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