Funk une morro ao asfalto

15:00


Caminhada mostrou que os jovens da classe média também adotaram o ritmo como um grito de guerra pelo fim da violência.


A caminhada pela paz dia do Rio elege mostrou que o funk é atualmente o maior fator da integração entre morro e asfalto. Jovens pobres e de classe media do Rio elegeram o ritmo como o grito de guerra pelo fim da violência na cidade. As trilhas sonoras que sempre fizeram parte das manifestações cariocas deram vez aos raps, uma autêntica crónica do cotidiano de uma cidade vitima da violência e das diferenças sociais. Mas a tensão ainda faz parte da relação entre os dois lados da cidade partida. Não foi fácil para os organizadores da caminhada chegarem a um acordo pela participação dos funkeiros no movimento.

“Foi como um encontro entre duas tribos. Eles fizeram suas exigências e nós as nossas. Faz parir do processo de integração”, conta o coordenador do movimento, o antropólogo Rubem Cesar Fernandes.

Para caminhar, os funkeiros fizeram dois pedidos: que pudessem cantar na avenida e que a organização abrisse um espaço para eles na imprensa. Quem estava coordenando a trilha sonora era Péricles de Barros, famoso por suas produções.

“Fiquei preocupado, achando que ele não iria aceitar a inclusão dos funkeiros. Mas o Péricles aceitou na mesma hora”, lembra Rubem Cesar.

Pobres — Tensões a parte, o funk invadiu a classe media. Faz hoje o papel que o samba exerceu há anos, trazendo para a Zona Sul a realidade dos morros e áreas pobres da cidade. Até mesmo para os filhos de Rubem Cesar, que trabalha com comunidades carentes, foi o funk que mostrou como é a vida nos bairros pobres. Thiago, de 11 anos, e Carlos, de 10, escutam funk o dia inteiro. Agora, já sabem de cor todos os nomes dos morros da cidade.

“Outro dia eles vieram conversar comigo sobre um rapaz que tinha sido morto injustamente pela polícia. Era a letra de um dos raps que eles costumam ouvir”, exemplifica o antropólogo.

Na passeata dos l00 mil — realizada no Rio em 26 de Junho de l968 e na qual participaram estudantes, intelectuais, profissionais liberais pedindo o fim das violências praticadas pela policia — o hino foi Pra não dizer que não falei de flores, de Geraldo Vandré. Nas Diretas Já, em l984, Coração de estudante, cantado por Milton Nascimento. A trilha sonora deixou de ter um tom patriótico e politico. Agora, com muito ritmo e fala, é a vez de mostrar diretamente as feridas da cidade.

O funk dominou ate as palavras de ordem. Nada mais de o povo unido jamais será vencido ou arroz, feijão, saúde e educação, que celebrizaram as manifestações da década de 80. É a hora do Lá lá lá ô lá lauê, deixa de ser violento e deixa a paz renascer. Os refrões agressivos que os caras— pintadas direcionavam ao ex-presidente Fernando Collor cederam espaço para incentivos á mobilização popular: Reage rico, reage pobre, reage Rio, a causa é nobre.

“O funk deixou de ser um gueto. Todo mundo canta e gosta. Antes era apenas um grito de socorro do funkeiro, que se sentia excluído. Agora, com a disseminação do ritmo, as letras também não retrata a classe média”, prevê a diretora da Retrato Consultoria e Marketing, a socióloga Maria Tereza Monteiro, que estuda o movimento funk há três anos.


Sucesso na marcha antecipa ‘verão dos MCs’

Quem torce o nariz e tampa as orelhas para o funk ainda não ouviu nada. Embalados pelo sucesso que roubou a cena na caminhada pela paz, anteontem, no Centro, os funkeiros prometem fazer o gênero estourar de vez nesse verão, com MC’s comandando bailes de carnaval do alto de caminhões e dividindo microfones com sambistas em disco que será lançado em Janeiro.

“O funk ainda tem uma imagem marginal, mas isso, agora, vai acabar”, entusiasma-se o DJ Marlboro, um dos mais admirados pelos 1,5 milhão de jovens que frequentam os 500 bailes promovidos por semana no Grande Rio.

Marlboro, estrela de programa diário de rádio com 750 mil ouvintes por minuto, só espera aval da Riotur para detonar os planos do carnaval funkeiro, no rastro do sucesso do rap no verão passado. Pelo projeto, de RS 200 mil, ainda sem patrocínio, MC’s em dois trios elétricos vão arrasar pelas Zonas Sul e Norte. O DJ aposta, também, no disco Rap-Samba, um dos primeiros lançamentos da Sony em 96. Ao som das batidas cruzadas dos dois ritmos, MCs como Júnior e Leonardo, da Rocinha e Claudinho e Buchecha, do Salgueiro cantam samba-funk com Neguinho da Beija-Flor e Dominguinhos do Estácio.

A celebração da paz ao som do rap deixou os funkeiros rindo à toa.

“Sempre disseram que o funk era violento, mas conseguimos mostrar o contrário: é alegria e diversão”, disse Marlboro, produtor do primeiro disco do genero em português — Funk Brasil I, de 89 com 250 mil copias vendidas.

De São Paulo, onde gravava para o programa de Natal da TV Bandeirantes, o MC Leonardo comemorou:

“A força jovem do Rio é o funk”. O género junta cada vez mais caras-pintadas do asfalto com jovens da favela porque é “uma música espontânea em que pessoas falam o que a fim de falar”, sintetizou. 

Astral — Alvo de Comissão Parlamentar de inquérito (CPI) na Assembleia Legislativa, por conta da violência que causou dezenas de mortes em brigas de galeras e levou a proibição de vários bailes, o funk lavou a alma.

“O samba também já foi visto como coisa de marginal: o rock, de drogado: e a lambada, de prostituta. Mas agora chegou a nossa hora”, não se conteve o MC Leonardo.

Para manter alto o astral dos funkeiros, o DJ Marlboro, que anima 12 bailes por semana, defendeu a interdição das festas sem condições de segurança.

“São dois ou três que tem problemas, mas todo mundo acaba pagando”.

Outro que aposta no boom do funk é o jornalista Antônio Stockler, produtor dos MCs Júnior e Leonardo,

“Nesse verão, estoura. É um fenómeno. No colégio dos meus filhos, alunos com o poder aquisitivo só cantam isso nas festas. As mães ficam doidas, mas a garotada já não quer ouvir Xuxa nem Angélica: só quer rap”, festeja Stockler.

A explosão do género, acredita, estimulará a profissionalização dos mais de 500 MCs cariocas.

“A maioria não recebe direitos autorais nem tem inscrição no ECAD (Escritório Central de Arrecadação)”, contou.

Para Stockler, o gênero está virando hit porque a inspiração dos funkeiros cariocas tem raízes no funk cantante de Miami, Flórida. Os funkeiros de São Paulo seguem o estilo quase falado do hip-hop de Nova Iorque — mais difícil de ser decorado e reproduzido pelo público.

Créditos foto: Vincent Rosenblatt

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