Só deu FUNK

17:31


Som do morro contagia manifestantes, mistura as alas e transforma a Rio Branco num baile a céu aberto, com muita tietagem




O funk foi o ritmo oficial da caminhada da paz.  Ao som de “Eu só quero é ser feliz”, de Cidinho e Doca, os funkeiros deixaram os bailes, saíramos às ruas e tomaram conta da passeata. Adolescentes, estudantes, sindicalistas e várias outras alas foram, aos poucos, contagiadas pelo ritmo, dando a impressão de que tudo ia acabar em funk. E acabou. De repente não havia mais diferença entre pobres e ricos, ala da UNE, das favelas ou do Sebrae. A Avenida Rio Branco virou um grande baile funk ao ar livre, com direito a apresentações dos famosos MCs (mestres de cerimô­nia), provocando delírios das fãs mais histéricas.

Senhores de bigode ensaiavam pas­sos discretos, enquanto idosos assistiam a tudo admirados. A senadora Benedita da Silva, defensora do baile funk do Morro Chapéu Mangueira, que anda tirando o sono dos moradores do Leme, exultava com o que classificou de união “asfalto/morro”.
 "Vi a ala do funk e ficou clara a integração", vibrava.

Fabiana Amorim, 17 sinos, do tradicional Colégio Sion, no Cosme Velho, foi uma das estudantes que abandonou sua ala, dei­xou de lado as palavras de ordem da UNE e migrou para o baile. Em vez do surrado arroz, feijão, saúde e educação, enumerava as favelas cantadas no Rap do ABC, dos MCs Júnior e Leonardo.

Dia de glória MC William, MC Duda, Bob Rum. MC Neném, An­dré e Fabinho levaram adolescentes ao delírio, deram centenas de autógrafos e fizeram todo mundo dançar. Gritos e refrãos substituíram os discursos e, do alto dos carros de som, os MCs eram mais idolatrados do que os astros da TV. Atrás deles. vinha uma Iegião de ambulantes, adorando a festa e os reais obti­dos com a sede dos funkeiros
.
Às 17h20, o agito já era grande, Meninas brigavam atrás de um carro de som em frente à Igreja da Candelá­ria. O motivo? Um valioso autógrafo de um MC, disputado como um trofèu. Outras tentavam escalar o carro de som para tocar seus ídolos. Os seguranças dos cantores tentavam controlar a multidão e, já cansados pediam o fim do assedio.

Arrastão -- Quando precisavam descer do palco, os funkeiros quase que provocavam um arrastão. Mesmo protegidos por seguranças, eram perseguidos pela avenida por tietes ensandecidos, dispostos a tudo para conseguir um troféu. “Ai mãe, como ele é lindo. Olha só, consegui o autografo do Duda", vibrava uma delas, ao lado do telefone público, de onde a mãe ligava para o marido, contando tudo o que estava acontecendo passeata.

MC William e MC Duda famosa dupla do Morro do Borel passaram por um tremendo sufoco. Depois de deixarem um carro de som, tiveram que correr em disparada pela rua. Foge daqui. Fode de lá, os dois procuraram refúgio na loja de doces Toca do Coe­lho, esquina da Avenida Rio Branco com Presidente Vargas. Do lado de fora, meninas batiam no vidro e grita­vam histéricas. A confusão só acabou com a intervenção da polícia. Cena inusitada: os funkeiros, com seus cor­dões de ouro e jaquetas abertas, saindo da Toca do Coelho, escoltados pela Policia Militar. Sorte dos funcionários da loja. Nó corre-corre, cada um saiu com seu autógrafo.

Mais cenas de histeria coletiva no fim do ato: praticamente fechando a passeata, milhares de pessoas dançavam atrás do carro de som que tocava o som nascido nas favelas cariocas. Negros, brancos, mendigos, hare-krishnas e es­tudantes não se continham enquanto sacudiam os corpos ao som bate-estaca que contagiou Leni Monteiro de 61 anos e Iraci Guerra, de 77 anos.
"Somos duas velhinhas muito assanhadas.” 

Contramão Os punks também estiveram presentes ontem na caminha. Vestindo camisetas pretas e casacos de couro, eles se concentraram num canto da Rua Pedro Lessa, ao lado do Teatro Municipal, onde o underground carioca costuma se reuni. Todos de rostos tapados e alguns com cabelos moicanos colorido, cerca de 10 representantes Movimento Punk RJ destoavam do clima dos outros manifestantes da caminhada. Eles levavam faixas com palavras de ordem anarquistas e protes­tavam contra a caminhada.
"Estamos lutando contra a farsa dessa passeata, que só tem burguês no palanque. Lutamos por uma paz generalizada e não pôr uma paz que só protege os burgueses e deixa de fora os prelos", alardeava um deles, que preferiu não se identificar.

Créditos: Jornal do Brasil – Ano: 1995


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