Funk You
18:00
Atenção! Esta crônica contém
palavras de baixo calão. Publico-as porque é possível ouvi-las nos bailes funk,
na TV e nos rádios, cantadas até por crianças pequenas, em meio a danças obscenas
e brigas entre "galeras”.
Há alguns anos, quando
morreram os Mamonas Assassinas, escrevi um texto duro atacando a obra (?) dos
meninos. Hoje eles seriam inocentes, quase anjos. Outro dia ouvia um disco do
Braguinha com suas canções infantis. Parece - e é - coisa de outro século. Crescemos com isso. Disse, na
ocasião da morte dos Mamonas, e repito, que nada tenho contra a transgressão,
desde que ela seja de fato transgressão (algo que se sabe proibido), e não
produto de consumo da mídia, lixo imposto a todos e principalmente as crianças
em nome de uma "liberdade de expressão” que não tem sentido e
só serve para faturar, disseminar violência, preconceito e crime,
A transgressão é necessária à
formação da personalidade das crianças. Serve para marcar os limites de uma
sociedade que só é civilizada porque todos (ou pelo menos a maioria) aprenderam
com a vida a controlar suas pulsões, Quando crianças, tínhamos dois tipos de
formação. Uma poderia ser chamada de "horizontal". Era educação na
rua, pelas outras crianças. Aprendia-se amizade, ética, brincadeiras,
solidariedade, e também transgressão. As musiquinhas com letra safada como
"caguei no bonde / esporrei na manivela /condutor f.d.p/ me atirou pela
janela", eram passados de criança a criança, mas nenhum menino do meu
tempo ousaria cantá-las em presença de um adulto. Se eu cantasse
isso para minha mãe, ia, no mínimo ficar
sem mesada um mês. Eu disse no mínimo. Transgressão era coisa nossa, infantil.
Outro tipo de formação era 'Vertical’, vinha dos mais velhos, em casa e na escola. Aí
aprendi amor, ética, limites, responsabilidades, compromissos, matemática,
português e tudo o que se ensina a crianças. Hoje, a musiquinha safada do bonde
é comprada em lojas, em CDs e ouvida por meninos com a aprovação dos pais.
Nessa tolal falta de limites não cabe estranhar a que um menino de apenas sete
anos, empresariado pelos próprios pais. cante esta "maravilha" no
rádio, na TV e em bailes: "De segunda a sexto, esporro na escola / Sábado
e domingo, eu solto pipa e jogo bola / Mas eu já estou crescendo com muita emoção
/ E eu já vou pegar um filé com popozão".
Uma "obra de arte" que se a lei fosse cumprida, valeria
imediata cassação do pátrio poder, Mas
que "música" é essa, alardeada pela mídia, projetando gente como o
Tigrão e a turma da; Furacão 2000? Vejam Máquina do
sexo que, segundo o Tigrão, tem letra "nem tão pesada assim", porque - pondera - as crianças ouvem e dançam
funk.
Vejam p letra e avaliem
o "peso": "Máquina de sexo /eu transo igual a um animal / A
Chatuba de Mesquita / do bonde do sexo anal / Chatuba come cu / e depois come
xereca / 'Rança cabaço, e o bonde dos careca?1'
Tem mais. A mulher é vista assim por esses "artistas" em Barraco III: "Me
chama de cachorra, que eu faço au-au / Me chama de gatinha, que eu faço miau /
Goza na cara, goza na boca / goza onde quiser". Quando o limite
desaparece e a sacanagem é vendida em lojas, divulgada em bailes, e passa na TV
e no rádio, é hora de se preocupar. É obvio que a barreira entre o permitido e
o proibido ruiu e os limites morais recuaram muito. (Aliás, a palavra
"moral" tem cheiro de palavrão em nossos dias.) Quanto tempo vai ser
necessário para que, em nome do mercado e da "liberdade de expressão e de
criação artística” assistamos a estupros ao vivo e a cores pela TV, sob o
pretexto de que há bilhões de famintos no mundo e é com isso que os governos
deveriam preocupar-se?
De passo em passo, chegaremos à tortura e ao assassinato em horário nobre como forma de
show-business, de "arte", de "liberdade de expressão". Na
Alemanha já se expõem em museus, corpos dissecados contemplando a própria pele,
curtida como num abatedouro, e chama-se a isso "arte".
É só esperar e forçar mais um pouco. Faturem senhores e funk us
all...
Créditos: Fritz Utzeri – Caderno B do Jornal do Brasil /2001
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