Abalou
17:25
Funk se transforma em império
comandado por um ex-favelado e um DJ precoce
Habitual trilha sonora das favelas e bairros da periferia do Rio,
o funk se insulou de vez na Zona Sul. Pais se espantam diante da preferência dos filhos pela música que antes só se
ouviu nus dependências de empregados. Boates frequentadas por mauricinhos,, como
a Circus, adotam o ritmo no seu horário nobre, sexta-feira. Em rádios como a
98 FM, ha uma determinação de
que 30% da programação sejam de funk.
Não há dúvida: o funk abalou. Se antes da ipanemização o ritmo já era uma
próspera indústria musical, capaz de promover pelo menos 300 bailes a cada fim
de semana, agora apresenta-se como um filão ainda mais tentador. Gravadoras multinacionais
estão entrando agressivamente neste
mercado, arrematando os passes dos artistas que se destacam em gravações
independentes, executadas nos programas especializados.
Uma indústria que mobiliza um
público estimado em mais de 1,5 milhão de consumidores tem nuances que não se expressam
só em manchetes policiais. É esta a motivação da série de reportagens sobre
a influencia econômica e cultural do funk na sociedade carioca que o JORNAL DO BRASIL publica a partir de
hoje.
Para entender o fenômeno, é preciso
Conhecer os mandachuvas dos bastidores do funk no Rio: o DJ Marlboro e o
empresário Rômulo Costa, um dos donos da equipe Furacão 2000.
Workaholic e viciado em celular. Marlboro é um dos pioneiros da trilha que o funk hoje percorre,
da periferia para a Zona Sul. Produtor respeitado, lançou o primeiro disco solo
de um funkeiro brasileiro, o campeão de vendas Latino, e convenceu a
empresária Marlene Mattos a incorporar o funk ao “xuxa park’, da
Rede Globo.
Rómulo domina a cena dos
bailes no Rio e criou o primeiro programa de TV dedicado exclusivamente ao batidão,
o Furacão 2000. E os dois garantem que isso é só começo.
As portas para o mundo funk do Rio são atravessadas com a ajuda de
dois abra-te sésamo: Marlboro e
Furacão 2000. Empresário, DJ, produtor e apresentador de rádio, Marlboro
controla, via celular, o sucesso de astros como Latino e grupos como You Can
Dance e Copacabana Beat, além do funcionamento de cinco empresas todas ligadas
ao baticum que ajudou popularizar. Furacão
2000 é a maior equipe de som do Rio e sinônimo de Romulo Costa, um ex-morador
do morro do juramento que apresenta um programa de TV sintonizado aos sábados
por 21% dos aparelhos ligados no Rio e, magnânimo, costuma doar toneladas de
alimentos a favelados que apenas sonham seguir sua trajetória de self-made man. São os capitães da
indústria funk, cada vez mais prospera a medida que o ritmo se expande dos
subúrbios e morros cariocas para a Zona Sul.
Os cainhos dos dois costumam se cruzar. Desde a semana passada,
Rômulo Costa acrescentou ao seu roteiro de bailes a noite de sexta-feira da
boat4e Circus, onde Marlboro já comanda as matines de sábado, a rendição da
boate, situada num bairro classe A (São Conrado), ao ritmo que anima a
juventude da periferia e das favelas é mais uma prova de que o funk atravessou
o túnel.
“Vejo um grande futuro para o funk. Minha mulher vai a shoppings
na Zona Sul e todo mundo vem pedir autógrafos”, diz Romulo, que virou ídolo
desde que passou a apresentar com a mulher Veronca o programa Furacão 2000, os
sábados, na CNT.
“Outro dia eu fui depor na delegacio e o delegado me pediu um
autógrafo para a filha”, lembra ele.
Há uma semana, Romulo, vive literalmente no olho do fura cão. Como
presidente da Ligasom, que reúne 45 equipes de som do Rio, depôs dia 19 na
Divisão de Proteção da Criança e Adolescente, que investiga se os bailes funk
são pagos por traficantes ou usados por eles para conquistar novos soldados para suas fileiras.
“Não compete a mim
investigar se o dinheiro que paga o baile é do traficante. Isso é um problema
policial”, diz ele, convencido de estar no meio de mais uma batalha dos alemães (inimigo, na gíria das favelas)
do governo e da industria do disco contra o pessoal sangue bom (amigo, camarada) do funk.
Fernando Luis Mattos, aliás Marlboro, é ainda mais veemente na
defesa:
“Foi o poder publico que expulsou os bailes funk para os morros”,
acusa, lembrando9 que em 1993 o governo estadual proibiu festas, amedrontando
os dos de clubes.
“Os funkeiros cantam a realidade que conhecem”, explica.
O rap pró-funk de Marlboro não para, enquanto o Gol velho que o
leva para apresentar três horas diárias de pancadão
do seu programa Big Mix, na rádio
RPC, costura a cem por hora no transito agitado. No ar, ele continua a 78
rotações por minuto: fala no celular o tempo todo, recebe visitas de alguns dos
30 artistas que empresaria, fecha negócios, tudo de olho nos toca-discos, entre
uma mixagem e outra. O programa é uma bem azeitada maquina de ganhar dinheiro:
lá, ele promove artistas da sua empresa, toca os discos que produz, anuncia os
bailes que fará e ainda da brindes promocionais da grife Back to Black, que vai
inaugurar em breve num shopping na Tijuca.
“É tudo bem organizado”, reconhece orgulhoso o DJ, que tem a ajuda
da mãe. Marlene Mattos (não confundir com a empresária da Xuxa), na
administração dos negócios. Depois que lançou o cantor Latino na coletânea Funkmelody, os amigos o apelidaram de homem dos ovos de ouro.
“Ofereci todas as gravadoras e nenhuma quis. Depois que eu lancei
independente e estourou, vieram todas correndo atrás”, conta.
Marlboro não se lembra da ultima vez em que foi a praia, só vai a
restaurantes para reuniões e costuma dormir num colchonete no seu estúdio no
Lins. Quando não viaja no Gol, vai de camburão,
como chama uma caminhonete Veraneio ainda mais velha, com faróis quebrados.
“Carro é status. Prefiro gastar meu dinheiro comprando um teclado
novo”, despreza.
Não é a opinião do Romulo que vai d casa em Jacarepaguá apresentar
seus dois programas de funk nas rádios Imprensa e Costa Verde, a bordo de uma
Mitsubishi Pajero bençoado pelo adesivo Senhor,
feliz é o homem que em ti confia. Sempre acompanhado de seguranças e
auxiliares, celular em punho, relógio Rolex no pulso, Romulo computa o sucesso:
“Há um ano eu tinha três equipamentos de som e fazia nove bailes
por semana. Agora tenho oito e faço vinte e uma festas”.
Ele acha que deve boa parte da prosperidade a adesão a Igreja
Universal, a qual garante doar 20% dos seus lucros.
“Eu vivia bebendo na noite, tinha muitas mulheres. Com a minha
conversão, isso acabou”, diz o agradecido Romulo, que sonha se tornar pastor.
Marlboro também não pode se queixar da sorte. Sozinho, costuma
fazer 12 bailes por semana, as vezes três por noite, Em cada um, passa duas
horas no comando dos toca-discos, que começou a manejar aos 17 anos, sob
inspiração do programa Cidade disco funk,
de João Romero.
“Eu anotava num caderninho as musicas que ele tocava, sabia tudo.
Quando consegui entrar para uma equipe de som de Niterói, onde eu morava,
passava o dia inteiro treinando as mixagens”, lembra
Hoje, garotos como eles fazem ponto na porta da sua produtora,
Afegan, esperando a chance de ser o Latino da vez. A maior estrela da empresa,
por sinal, está deixando a casa, talvez cansado de repassar a empresa do patrão
40% de seu cachê (7 mil por show).
“Um outro empresário virou a cabeça do Latino. Prometeu jatinho,
disse que ele tinha de fazer show com banda ao vivo”, lamenta Marlboro, que
recebe por semana dez fitas de candidatos a MCs (cantores de funk).
Marlboro teve uma origem de classe média, mais afortunada que a de
Romulo:
“Já carreguei muita lata d’agua na cabeça”, lembra o senhor
Furacão, que começou na equipe há duas décadas como empregado, agendando
bailes.
Hoje, ele pilota seu próprio estúdio e tem no currículo produção
de 12 discos com os sucessos que abalam os seus bailes. Seu ultimo lançamento,
Rap Brasil, distribuído pela Som Livre com direito a maciça propaganda na TV,
já vendeu 120 mil copias em três semanas.
Agora, Romulo gasta a lábia tentando convencer a emissora a
transmitir o seu programa para todo o Brasil. A longo prazo, quer ter sua
própria fabrica de roupas coma grife
Furacão.O filão funk parece longe de se esgotar.
Créditos: Annabela Paiva - Jornal do Brasil /1996
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