Dança do passinho do menor cresce no funk e se profissionaliza
13:23RIO - No primeiro dia de 2012, foi assassinado o mais carismático dos praticantes do passinho do menor, a dança que vem renovando o funk por injetar graça e virtuosismo num gênero que muitos associam apenas a sexo e apologia às drogas. Gualter Damasceno Rocha, o Gambá, tinha 22 anos, trabalhava como gesseiro, era sensação na internet e nos lugares em que se apresentava, e morreu espancado num posto de gasolina, muito longe do baile em que passara o réveillon. A polícia ainda não solucionou o crime.
Tamanha violência poderia gerar, juntamente com o forte impacto emocional que provocou nos amigos de Gambá, uma contração do crescimento do passinho do menor. No entanto, este início de ano está emitindo sinais opostos: dançarinos têm aparecido em programas de TV ("Esquenta", "TV Xuxa" e outros), começando a se profissionalizar e deverão participar de uma segunda Batalha do Passinho, o campeonato que projetou em 2011 esses jovens para além de suas comunidades geográficas e virtuais.
— Ouvi noutro dia uma música de que o Gambá gostava muito e comecei a chorar. Agora que o funk está crescendo, eu estou desabando — diz Jefferson de Oliveira Chaves, o Cebolinha, de 22 anos, um dos pioneiros do passinho. — Achei que ia perder o amor pela dança, mas tenho que continuar. Ele não ia gostar que eu parasse.
Cebolinha é o melhor reflexo do momento. Profissional, criou o Bonde do Passinho, trio que participou da gravação do DVD de Seu Jorge em novembro e que vem sendo contratado para dançar em outros estados, de São Paulo ao Pará. Consciente, é entusiasta da criação de uma Escola do Passinho, na qual ele e outros mais experientes ensinariam os iniciantes, dando-lhes alternativas às do crime. Corajoso, assumiu ao lado de Gambá, sem que fossem gays, um estilo de dança bem-humorado e com trejeitos femininos, desafiando preconceitos — os praticantes do passinho superaram as gozações mostrando que as mulheres ficavam seduzidas por eles.
— Vários atores da sociedade ainda criminalizam o funk por causa da apropriação extemporânea que o tráfico fez dele e por causa da hipersensualização. O passinho é um passo à frente porque fica longe disso e ainda estimula a circulação dos jovens, numa integração simbólica entre as áreas da cidade — diz Ricardo Henriques, presidente do Instituto Pereira Passos (IPP), órgão municipal que toca os projetos da UPP Social, a outra face do processo de pacificação dos territórios que eram controlados por traficantes.
O IPP apoiou a batalha realizada em agosto e setembro do ano passado — com 300 inscritos, eliminatórias em três favelas e final no Sesc Tijuca — e endossa a próxima, projetada para ter seletivas nas 23 comunidades pacificadas. O campeonato é uma iniciativa do escritor Julio Ludemir e do músico e produtor cultural Rafael Soares, o Rafael Nike.
— Por intermédio da batalha, a gente conseguiu falar para a mídia, para uma classe média universitária e para os projetos sociais da importância desse fenômeno — ressalta Ludemir, que busca renovar com o Sesc a parceria de 2011.
Como tanta gente, ele descobriu o passinho na internet. Desde 2008, mas intensificando-se a partir de 2010, jovens gravam suas danças com minicâmeras digitais, botam no YouTube e depois as comentam numa comunidade do Orkut que reúne cerca de 10 mil pessoas. Esse sistema acelerou conquistas sociais e estéticas — o recreio nas escolas virou hora de dançar, e os líderes comunitários não deixam que os praticantes parem de estudar. Como destaca Ludemir, o funk foi se misturando ao hip-hop, ao frevo, ao samba e ao forró, formando um repertório de movimentos original e amplo.
— Há várias misturas ali, mas eles também põem, com muita habilidade e criatividade, coisas que são só deles. O Gambá, por exemplo, era sensacional. Não é qualquer homem que solta o quadril daquele jeito — exalta a coreógrafa Deborah Colker. — Não há uma estética, um pensamento por trás, mas talvez nem precise. Já está genial e completo. Eles têm código, vocabulário. Não estranhe se eu treinar passinho com meus alunos.
Segundo Rafael Nike, em Curitiba e São Paulo já há gente dando aulas. Tentar copiar não é difícil, pois no YouTube é possível ter acesso a um sem-número de vídeos de passinho. O problema é saber dançar com o brilho de Jackson Franco (campeão da batalha), Cebolinha (eliminado por Gambá numa disputa com direito a prorrogação), Marcos Paulo, o Kinho (quinto lugar e destaque da Cidade de Deus, onde começou a dança do bonequinho e hoje é uma das áreas fortes do passinho), ou Leandro Martins, o Bolinho, conhecido como "rei do popping", o estilo de contrair e relaxar músculos em que Michael Jackson era craque.
Na semana passada, o GLOBO reuniu alguns dançarinos no Morro do Cantagalo, em Ipanema, onde moram talentos como Bruninho, de 12 anos, e Cristian, vice-campeão da primeira batalha com apenas 9 anos e hoje contratado do programa "Esquenta", de Regina Casé.
— Achei que eu ia perder. Mandei tudo o que podia — conta o menino já profissional.
O passinho do menor também vai virar filme. Emílio Domingos, diretor do longa-metragem "L.A.P.A." e de curtas como "Cante um funk para um filme" (com Marcus Vinicius Faustini), registrou toda a Batalha do Passinho no ano passado e ainda acompanhou os dançarinos fora da disputa. Ele está editando e complementando o material, e acredita poder lançar até junho "Batalha do Passinho — Os muleque são sinistro". Um dos protagonistas é Gambá.
— Ele era um Garrincha: criativo, intuitivo, original. Virou uma lenda. Basta ver na internet quantas músicas já fizeram para ele — diz Emílio.
Sonho de viver da dança
Ainda em janeiro, Julio Ludemir coordenou no Arpoador uma grande homenagem a Gambá. O dançarino e também gesseiro, cria do Morro do Barbante (Ilha do Governador), era um que ansiava pela profissionalização. Por causa das várias aparições na TV, já era mais conhecido. A maioria consegue, se tanto, R$ 50 ou R$ 100 por uma apresentação.
— O sonho de todos é viver disso, porque o nosso talento é esse — afirma Kinho, de 19 anos, um dos participantes do bonde (não há nenhuma conotação de violência no uso da palavra) mais famoso do passinho, Os Fantásticos.
Ludemir ressalta que o talento dos rapazes deu a eles uma espécie de passe livre nas favelas, podendo frequentar bailes em áreas sob influência de qualquer facção criminosa. Eles se consideram artistas e são tratados como tais nas comunidades.
— Em vez de ficar pensando o que fazer com os rapazes das chamadas classes perigosas, a sociedade carioca devia acompanhar a riqueza do que eles estão criando — propõe Ludemir.
Tamanha violência poderia gerar, juntamente com o forte impacto emocional que provocou nos amigos de Gambá, uma contração do crescimento do passinho do menor. No entanto, este início de ano está emitindo sinais opostos: dançarinos têm aparecido em programas de TV ("Esquenta", "TV Xuxa" e outros), começando a se profissionalizar e deverão participar de uma segunda Batalha do Passinho, o campeonato que projetou em 2011 esses jovens para além de suas comunidades geográficas e virtuais.
— Ouvi noutro dia uma música de que o Gambá gostava muito e comecei a chorar. Agora que o funk está crescendo, eu estou desabando — diz Jefferson de Oliveira Chaves, o Cebolinha, de 22 anos, um dos pioneiros do passinho. — Achei que ia perder o amor pela dança, mas tenho que continuar. Ele não ia gostar que eu parasse.
Cebolinha é o melhor reflexo do momento. Profissional, criou o Bonde do Passinho, trio que participou da gravação do DVD de Seu Jorge em novembro e que vem sendo contratado para dançar em outros estados, de São Paulo ao Pará. Consciente, é entusiasta da criação de uma Escola do Passinho, na qual ele e outros mais experientes ensinariam os iniciantes, dando-lhes alternativas às do crime. Corajoso, assumiu ao lado de Gambá, sem que fossem gays, um estilo de dança bem-humorado e com trejeitos femininos, desafiando preconceitos — os praticantes do passinho superaram as gozações mostrando que as mulheres ficavam seduzidas por eles.
— Vários atores da sociedade ainda criminalizam o funk por causa da apropriação extemporânea que o tráfico fez dele e por causa da hipersensualização. O passinho é um passo à frente porque fica longe disso e ainda estimula a circulação dos jovens, numa integração simbólica entre as áreas da cidade — diz Ricardo Henriques, presidente do Instituto Pereira Passos (IPP), órgão municipal que toca os projetos da UPP Social, a outra face do processo de pacificação dos territórios que eram controlados por traficantes.
O IPP apoiou a batalha realizada em agosto e setembro do ano passado — com 300 inscritos, eliminatórias em três favelas e final no Sesc Tijuca — e endossa a próxima, projetada para ter seletivas nas 23 comunidades pacificadas. O campeonato é uma iniciativa do escritor Julio Ludemir e do músico e produtor cultural Rafael Soares, o Rafael Nike.
— Por intermédio da batalha, a gente conseguiu falar para a mídia, para uma classe média universitária e para os projetos sociais da importância desse fenômeno — ressalta Ludemir, que busca renovar com o Sesc a parceria de 2011.
Como tanta gente, ele descobriu o passinho na internet. Desde 2008, mas intensificando-se a partir de 2010, jovens gravam suas danças com minicâmeras digitais, botam no YouTube e depois as comentam numa comunidade do Orkut que reúne cerca de 10 mil pessoas. Esse sistema acelerou conquistas sociais e estéticas — o recreio nas escolas virou hora de dançar, e os líderes comunitários não deixam que os praticantes parem de estudar. Como destaca Ludemir, o funk foi se misturando ao hip-hop, ao frevo, ao samba e ao forró, formando um repertório de movimentos original e amplo.
— Há várias misturas ali, mas eles também põem, com muita habilidade e criatividade, coisas que são só deles. O Gambá, por exemplo, era sensacional. Não é qualquer homem que solta o quadril daquele jeito — exalta a coreógrafa Deborah Colker. — Não há uma estética, um pensamento por trás, mas talvez nem precise. Já está genial e completo. Eles têm código, vocabulário. Não estranhe se eu treinar passinho com meus alunos.
Segundo Rafael Nike, em Curitiba e São Paulo já há gente dando aulas. Tentar copiar não é difícil, pois no YouTube é possível ter acesso a um sem-número de vídeos de passinho. O problema é saber dançar com o brilho de Jackson Franco (campeão da batalha), Cebolinha (eliminado por Gambá numa disputa com direito a prorrogação), Marcos Paulo, o Kinho (quinto lugar e destaque da Cidade de Deus, onde começou a dança do bonequinho e hoje é uma das áreas fortes do passinho), ou Leandro Martins, o Bolinho, conhecido como "rei do popping", o estilo de contrair e relaxar músculos em que Michael Jackson era craque.
Na semana passada, o GLOBO reuniu alguns dançarinos no Morro do Cantagalo, em Ipanema, onde moram talentos como Bruninho, de 12 anos, e Cristian, vice-campeão da primeira batalha com apenas 9 anos e hoje contratado do programa "Esquenta", de Regina Casé.
— Achei que eu ia perder. Mandei tudo o que podia — conta o menino já profissional.
O passinho do menor também vai virar filme. Emílio Domingos, diretor do longa-metragem "L.A.P.A." e de curtas como "Cante um funk para um filme" (com Marcus Vinicius Faustini), registrou toda a Batalha do Passinho no ano passado e ainda acompanhou os dançarinos fora da disputa. Ele está editando e complementando o material, e acredita poder lançar até junho "Batalha do Passinho — Os muleque são sinistro". Um dos protagonistas é Gambá.
— Ele era um Garrincha: criativo, intuitivo, original. Virou uma lenda. Basta ver na internet quantas músicas já fizeram para ele — diz Emílio.
Sonho de viver da dança
Ainda em janeiro, Julio Ludemir coordenou no Arpoador uma grande homenagem a Gambá. O dançarino e também gesseiro, cria do Morro do Barbante (Ilha do Governador), era um que ansiava pela profissionalização. Por causa das várias aparições na TV, já era mais conhecido. A maioria consegue, se tanto, R$ 50 ou R$ 100 por uma apresentação.
— O sonho de todos é viver disso, porque o nosso talento é esse — afirma Kinho, de 19 anos, um dos participantes do bonde (não há nenhuma conotação de violência no uso da palavra) mais famoso do passinho, Os Fantásticos.
Ludemir ressalta que o talento dos rapazes deu a eles uma espécie de passe livre nas favelas, podendo frequentar bailes em áreas sob influência de qualquer facção criminosa. Eles se consideram artistas e são tratados como tais nas comunidades.
— Em vez de ficar pensando o que fazer com os rapazes das chamadas classes perigosas, a sociedade carioca devia acompanhar a riqueza do que eles estão criando — propõe Ludemir.
Créditos: Luiz Fernando Vianna - O Globo
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