Funk Nacional

03:13

Legitimidade cultural pulsa forte na Rádio Nacional.


Acabo de chegar do auditório da Rádio Nacional onde participei, orgulhoso, da estreia do programa “Funk Nacional”. Auditório cheio, entusiasmo, ritmo pulsante, letras de cunho social sintonizadas com o que diz a lei de criação da EBC como no seu art. 2º, inciso II, que preconiza a “promoção do acesso à informação por meio da pluralidade de fontes de produção e distribuição de conteúdo” ou ainda conforme o art. 3º, inciso II, que se refere a “desenvolver a consciência crítica do cidadão, mediante programação educativa, artística, cultural, informativa, científica e promotora da cidadania”.

A Rádio Nacional, criada em 1936, consolidou-se nos anos 1940 como matriz do rádio popular no país ancorada numa grade plural constituída de programas musicais de diversos gêneros; radiodramaturgia; programas humorísticos; esportivos e jornalísticos.

A emissora, que, entre muitas outras, fez ecoar em todo o país a voz de Luiz Gonzaga, contempla hoje a música nordestina com o programa “Puxa o Fole”, apresentado pelo compositor, cantor, e instrumentista Sergival, que tão bem expressa a pujança musical do nordeste brasileiro; o samba com o “Dorina ponto samba”, apresentado pela cantora Dorina, legítima expressão do subúrbio carioca, além do programa “Adelzon Alves, o Amigo da Madrugada”, com o notório radialista e produtor que revelou Clara Nunes, Dona Ivone, João Nogueira, Bezerra da Silva e tantos artistas da música popular Brasileira; a música regional de todo o país que o poeta Geraldo do Norte oferece no seu “Tabuleiro do Brasil”; o chorinho, nosso primeiro gênero musical urbano, que semanalmente lota o histórico auditório com o Conjunto Época de Ouro, criado por Jacob do Bandolim e reconhecido como o mais tradicional grupo de choro do país; a música para o público infantil com o programa “Rádio Maluca”, apresentado por Zé Zuca, um dos mais expressivos protagonistas deste segmento; a chamada produção independente e sua cadeia produtiva no programa “Garimpo”, com o compositor, cantor, violonista e blogueiro, Cláudio Jorge; as bandas de música no programa “O Som das Bandas – Balançando o Coreto”, das Associação das Bandas do Rio de Janeiro; os especiais com os mais representativos artistas da MPB com o programa “Estúdio F”, apresentado por Paulo César Soares, uma parceria com a FUNARTE; além de outras propostas culturais como as produções do Núcleo de Radiodramaturgia, cujo elenco atualmente apresenta contos de autores como, João do Rio, Mário de Andrade, Clarice Lispector, Machado de Assis; o programa humorístico “Revista Riso” e as “Charges Sonoras”, com Gustavo Correia; as coberturas e programas do Núcleo de Esportes, para citar apenas alguns.

Pois agora a Rádio Nacional inclui também o funk na sua programação. O Rio de Janeiro é hoje permeado por 968 favelas, segundo dados do Instituto Pereira Passos, órgão da Prefeitura da cidade. Estas comunidades ocupam 3,7% do território do município, e abrigam 20% da população, ou seja, cerca de 1.100.000 pessoas. Além das encostas dos morros, as favelas estão instaladas em planícies, baixadas, margens de rios e lagoas – geralmente desvalorizados (tanto do ponto de vista econômico como simbólico), por sua localização;

As favelas são obras de vivências entre cidadãos de uma metrópole marcada por profundas contradições, tensões e conflitos sociais. Em todas elas foram constituídas relações de sociabilidade, formas de trabalho e de geração de renda, criações artísticas e práticas culturais produtoras de identidades” (Jailson de Souza e Jorge Luiz Barbosa “Favela, Alegria e Dor na Cidade);

Dentre as práticas culturais, as favelas geram elementos fundamentais que compõem a própria identidade do Rio de Janeiro. O espírito irreverente, a musicalidade, a poesia, o ritmo e a ginga malemolente do sambista, que se reflete também nos campos de futebol, a sensualidade e cada vez mais, a pulsação do tambor eletrônico dos cerca de 900 bailes funk em todo o Estado, segundo dados da Fundação Getúlio Vargas;

Manifestação legítima da diáspora musical africana, o funk das favelas cariocas incorpora elementos da capoeira, do samba e de ritmos nordestinos ao mesmo tempo em que espelha tensões e propõe a reflexão sobre suas causas através de uma poética engajada e propositiva;

A representatividade, os números do funk, a sua dimensão como fenômeno cultural, não permitem a uma emissora pública manter-se alheia, ou restringir sua programação musical ao repertório aceito “nos salões”, como acontecia no início do século passado quando era forte o preconceito em relação ao choro e depois também contra o samba;

O compositor Chico Buarque de Hollanda, notável pela harmonia de suas composições e a rica poesia de suas letras, em recente entrevista manifestou compreender o fenômeno da hegemonia do ritmo que hoje o mundo experimenta, em detrimento da harmonia, como a tradução inevitável da pulsação que caracteriza a vida contemporânea;

Pois que os protagonistas deste processo tenham o seu espaço. Que estes tambores ecoem como mais uma manifestação do fenômeno da diáspora que permeia a música no planeta. Diáspora que através dos tempos, dos tambores africanos aos eletrônicos, em suas fusões e transfusões, enriqueceu o processo musical de todos os continentes, gerando o jazz, o samba, a bossa nova, o blues, o rock, o reggae, o forró, o xote, o côco, a embolada, o tango, o rap, o hip-hop, o funk e o que mais virá.

Os bailes funk nas comunidades do Rio de Janeiro representam o grito contra a exclusão e a afirmação da compreensão do espaço urbano como uma só cidade. Não a cidade partida, dividida entre cidadãos e sub-cidadãos, mas o comum espaço urbano como expressão da pluralidade cultural, da interação social, da cidadania plena.

O apresentador:

MC Leonardo, 34 anos, nascido e criado na favela da Rocinha, é compositor, produtor, músico e intérprete. Dentre suas composições, destaca-se “Funk das Armas”, da trilha musical do filme “Tropa de Elite” e hoje, com grande execução em emissoras de Portugal, Espanha, Holanda, Alemanha, Suécia, Estônia, Itália e França. MC Leonardo apresenta-se em todo o país, em clubes e campus universitários.

MC Leonardo consolidou-se na cena cultural do Rio de Janeiro e do país, como significativa liderança no processo de descriminalização do funk. Sua agenda, além de shows e rodas de funk, inclui ainda atividades sociais, dentre as quais, a criação de núcleos de cidadania e capacitação profissional, a participação do programa Carceragem Cidadã, em prol dos Direitos Humanos, assistência jurídica, viabilização de acesso a bibliotecas, exibição de filmes, realização de debates, conscientização em prol da higienização dos ambientes carcerários.

MC Leonardo é a principal liderança do processo que já mobiliza grande contingente do universo funk e angaria manifestações de apoio formal como, entre outros, o do Ministério da Cultura, em função do compromisso de se preservar e se promover a diversidade cultural do país.

Como disse no início, hoje participei, orgulhoso, da estreia do programa “Funk Nacional”.

Cristiano Ottoni de Menezes

Gerente Regional do Rio de Janeiro

Superintendência de Rádio – EBC

Créditos: Site EBC

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