No dia em que o Parlamento cantou...
22:53Naquela manhã, muitos jovens, em sua grande maioria habitantes de inúmeras favelas, entravam pela primeira vez na Assembléia Legislativa do Estado do Rio de Janeiro – ALERJ. Como a maior parte dos brasileiros, esses jovens não entendiam quais as funções e as obrigações daquela casa, mas sabiam exatamente o que iriam fazer ali: defender o funk.
O funk não é uma novidade para a ALERJ. Aliás, nenhum outro ritmo, nos últimos 13 anos, foi objeto de tantas leis ali sancionadas. Visto e ouvido como um ritmo maldito pela mídia e pelos setores da classe média, o funk foi freqüentemente tratado no ordenamento jurídico como um caso de polícia ou uma questão de segurança pública. A novidade, portanto, não era “o funk na a ALERJ”, mas sim a organização de uma audiência, na qual plenária era composta pela massa funkeira. Tratava-se de um dia histórico, pois a ALERJ recebia sujeitos que lhe pareciam, até então, invisíveis. Ali, estavam MCs, DJs, produtores e empresários do funk. Aqueles para o quem o funk é sobretudo uma forma de trabalho.
Naquela manhã, as esferas artística e política habitavam o mesmo espaço físico e simbólico. Não estavam em jogo valores estéticos universais e transcendentais, mas questões muito locais. Era o momento de reconhecer o tratamento diferenciado e desigual que é dado às manifestações culturais das classes populares em contraste àquelas de determinada elite. Enquanto essas últimas são concebidas como paradigmas estéticos de arte, a cultura popular tem de lutar para ser legitimada. Uma prova dessa batalha foi a organização de uma audiência pública, que buscava debater uma lei estadual na qual o funk seria reconhecido como uma das maiores manifestações culturais da cidade do Rio de Janeiro.
A mesa da Assembléia, presidida pelo Deputado Marcelo Freixo do PSOL (Partido Socialismo e Liberdade), contava com a presença de dois artistas, dois intelectuais e dois representados do Estado. Já de início, o Presidente ressaltara que não foi por acaso a ausência de qualquer órgão de segurança pública naquela mesa. Estavam presentes, apenas, as representantes de cultura e de educação do Rio de Janeiro.
Dois intelectuais foram convidados para compor a mesa: Hermano Vianna e Adriana Facina. Abrindo mão de qualquer visão que possa atribuir ao conhecimento um ponto de vista neutro sobre os “fatos” investigados, ambos construíam e expunham ali, cada um a sua maneira, as suas pesquisas como uma forma de intervir nesse mundo funk. Se, no fim da década de 1980, Hermano Vianna dera visibilidade ao mundo funk como uma das principais formas de lazer da juventude suburbana e favelada, nos fins da década de 2000, Adriana Facina reiterava com outras vozes do funk o caráter político de tal manifestação, fazendo com que o funk passasse a ser respeitado por movimentos e militantes de esquerda.
No parlamento de uma cidade conhecida por celebrar uma suposta democracia racial e social, esses intelectuais acionavam atos de fala que colocavam em xeque tal imagem. Na fala de Vianna ecoavam outras vozes, que ao longo de trinta anos de história do funk no Rio de Janeiro pediram socorro, mas nunca foram ouvidas. Assim como crianças e jovens das favelas, o funk foi abandonado pelo poder público e tratado unicamente como um problema policial. Adriana Facina reiterava para a platéia, negra em sua grande maioria, que a discriminação contra o funk é mais um capítulo de uma história antiga de criminalização da cultura negra no Brasil. As mesmas vozes que ontem construíam o samba como vadiagem e arruaça, hoje enunciam o funk como violência e imoralidade.
Na mesa, a presença de Fernanda Abreu, uma cantora branca ouvida, principalmente, pela juventude de classe média do Brasil, também mostrava que o funk, mesmo sofrendo todo o tipo de discriminação, conseguira penetrar os bairros e os espaços simbólicos da classe média com suas rígidas fronteiras. Os versos da música “Pra que discutir com madame?”, epígrafe deste capítulo, foram recitados por Fernanda Abreu. Composto na década de 1970 por Haroldo Barbosa, a música originalmente destaca a visão que a “madame” possui sobre o samba, ou seja, uma música “barata e sem valor”, “um pecado e uma cachaça”, “um mistura de raça e de cor.” Ao citar tais versos, Fernanda substitui o termo “samba” pelo termo “funk”. O jogo com essas palavras escancarava que a discriminação racial não está no passado, mas se renova de formas sempre muito semelhantes. Numa terra onde o racismo não se confessa, o preconceito manifesta-se na maneira pela qual as “madames” percebem e significam a cultura desse grupos como manifestações rudes, incivilizadas, violentas etc. Assim, o preconceito contra o “batidão do funk” nada mais é do que uma atualização da discriminação contra os “batuques do samba.”
Após essas falas, a resposta da massa funkeira foi imediata. Acostumados com uma esfera pública que se constituiu, ao longo da história, longe dos formatos dos partidos políticos, dos sindicatos e da cultura letrada, a massa funkeira respondera àquelas falas com o maior e, talvez, o único capital cultural que possuem: a sua arte. Alguns MCs, ao fundo da plenária, começaram a entoar os versos do famoso funk “Rap do Silva” contagiando a todos e fazendo com que aquele parlamento cantasse. A plenária ficou toda de pé, muito sujeitos estendiam os braços e de punho fechado cantavam os seguintes versos: “o funk não é modismo/é uma necessidade/é pra calar os gemidos que existem nessa cidade.”
A empolgação da plenária aumentaria ainda mais quando outro integrante da mesa, MC Leonardo mostrasse como o microfone é uma poderosa “arma” para o movimento funk. E já que é necessário estar de pé para o tipo de batalha lingüística que os MCs gostam de travar, o artista de funk pediu licença para deixar a mesa e subir na tribuna. De lá, o MC anunciava que o “funk é, acima de tudo, uma linguagem da juventude das favelas.”
MC Leonardo comunicava, ao mesmo tempo em que enunciava que o funk é “uma poderosa e democrática forma de comunicação.” O apoio da plenária, composta por mais de 600 pessoas, entre elas MCs e DJs do funk (em sua grande maioria negros e favelados) e dançarinas de funk (algumas travestis e drag queens), confirmava não só a força agregadora dessa linguagem, como também sua capacidade de colocar em cena sujeitos que são tratados como invisíveis. Por meio do funk, as vozes desses sujeitos, habitantes de posições sociais tão distantes dos padrões hegemônicos de uma classe média branca, faziam-se ouvir.
A linguagem do funk não é uma forma abstrata de transmitir conhecimento na qual o emissor passa a mensagem ao receptor, que a assimila de forma passiva. Quando encenam o ritmo e a poesia (rap) no microfone, esses MCs “performativizam” a sua experiência de tal modo que essa experiência parece ser recriada naquele momento e naquela pessoa que a recebe. Assim, antes de deixar a tribuna, MC Leonardo finalizara a sua fala cantando, fazendo com que o funk fosse vivido por todos ali. Ainda que de forma silenciosa, a plenária acompanhava a realidade do funk e dos seus sujeitos, à medida que o MC entoava o seguinte rap, composto em parceria com seu irmão, MC Junior.
O funk não é uma novidade para a ALERJ. Aliás, nenhum outro ritmo, nos últimos 13 anos, foi objeto de tantas leis ali sancionadas. Visto e ouvido como um ritmo maldito pela mídia e pelos setores da classe média, o funk foi freqüentemente tratado no ordenamento jurídico como um caso de polícia ou uma questão de segurança pública. A novidade, portanto, não era “o funk na a ALERJ”, mas sim a organização de uma audiência, na qual plenária era composta pela massa funkeira. Tratava-se de um dia histórico, pois a ALERJ recebia sujeitos que lhe pareciam, até então, invisíveis. Ali, estavam MCs, DJs, produtores e empresários do funk. Aqueles para o quem o funk é sobretudo uma forma de trabalho.
Naquela manhã, as esferas artística e política habitavam o mesmo espaço físico e simbólico. Não estavam em jogo valores estéticos universais e transcendentais, mas questões muito locais. Era o momento de reconhecer o tratamento diferenciado e desigual que é dado às manifestações culturais das classes populares em contraste àquelas de determinada elite. Enquanto essas últimas são concebidas como paradigmas estéticos de arte, a cultura popular tem de lutar para ser legitimada. Uma prova dessa batalha foi a organização de uma audiência pública, que buscava debater uma lei estadual na qual o funk seria reconhecido como uma das maiores manifestações culturais da cidade do Rio de Janeiro.
A mesa da Assembléia, presidida pelo Deputado Marcelo Freixo do PSOL (Partido Socialismo e Liberdade), contava com a presença de dois artistas, dois intelectuais e dois representados do Estado. Já de início, o Presidente ressaltara que não foi por acaso a ausência de qualquer órgão de segurança pública naquela mesa. Estavam presentes, apenas, as representantes de cultura e de educação do Rio de Janeiro.
Dois intelectuais foram convidados para compor a mesa: Hermano Vianna e Adriana Facina. Abrindo mão de qualquer visão que possa atribuir ao conhecimento um ponto de vista neutro sobre os “fatos” investigados, ambos construíam e expunham ali, cada um a sua maneira, as suas pesquisas como uma forma de intervir nesse mundo funk. Se, no fim da década de 1980, Hermano Vianna dera visibilidade ao mundo funk como uma das principais formas de lazer da juventude suburbana e favelada, nos fins da década de 2000, Adriana Facina reiterava com outras vozes do funk o caráter político de tal manifestação, fazendo com que o funk passasse a ser respeitado por movimentos e militantes de esquerda.
No parlamento de uma cidade conhecida por celebrar uma suposta democracia racial e social, esses intelectuais acionavam atos de fala que colocavam em xeque tal imagem. Na fala de Vianna ecoavam outras vozes, que ao longo de trinta anos de história do funk no Rio de Janeiro pediram socorro, mas nunca foram ouvidas. Assim como crianças e jovens das favelas, o funk foi abandonado pelo poder público e tratado unicamente como um problema policial. Adriana Facina reiterava para a platéia, negra em sua grande maioria, que a discriminação contra o funk é mais um capítulo de uma história antiga de criminalização da cultura negra no Brasil. As mesmas vozes que ontem construíam o samba como vadiagem e arruaça, hoje enunciam o funk como violência e imoralidade.
Na mesa, a presença de Fernanda Abreu, uma cantora branca ouvida, principalmente, pela juventude de classe média do Brasil, também mostrava que o funk, mesmo sofrendo todo o tipo de discriminação, conseguira penetrar os bairros e os espaços simbólicos da classe média com suas rígidas fronteiras. Os versos da música “Pra que discutir com madame?”, epígrafe deste capítulo, foram recitados por Fernanda Abreu. Composto na década de 1970 por Haroldo Barbosa, a música originalmente destaca a visão que a “madame” possui sobre o samba, ou seja, uma música “barata e sem valor”, “um pecado e uma cachaça”, “um mistura de raça e de cor.” Ao citar tais versos, Fernanda substitui o termo “samba” pelo termo “funk”. O jogo com essas palavras escancarava que a discriminação racial não está no passado, mas se renova de formas sempre muito semelhantes. Numa terra onde o racismo não se confessa, o preconceito manifesta-se na maneira pela qual as “madames” percebem e significam a cultura desse grupos como manifestações rudes, incivilizadas, violentas etc. Assim, o preconceito contra o “batidão do funk” nada mais é do que uma atualização da discriminação contra os “batuques do samba.”
Após essas falas, a resposta da massa funkeira foi imediata. Acostumados com uma esfera pública que se constituiu, ao longo da história, longe dos formatos dos partidos políticos, dos sindicatos e da cultura letrada, a massa funkeira respondera àquelas falas com o maior e, talvez, o único capital cultural que possuem: a sua arte. Alguns MCs, ao fundo da plenária, começaram a entoar os versos do famoso funk “Rap do Silva” contagiando a todos e fazendo com que aquele parlamento cantasse. A plenária ficou toda de pé, muito sujeitos estendiam os braços e de punho fechado cantavam os seguintes versos: “o funk não é modismo/é uma necessidade/é pra calar os gemidos que existem nessa cidade.”
A empolgação da plenária aumentaria ainda mais quando outro integrante da mesa, MC Leonardo mostrasse como o microfone é uma poderosa “arma” para o movimento funk. E já que é necessário estar de pé para o tipo de batalha lingüística que os MCs gostam de travar, o artista de funk pediu licença para deixar a mesa e subir na tribuna. De lá, o MC anunciava que o “funk é, acima de tudo, uma linguagem da juventude das favelas.”
MC Leonardo comunicava, ao mesmo tempo em que enunciava que o funk é “uma poderosa e democrática forma de comunicação.” O apoio da plenária, composta por mais de 600 pessoas, entre elas MCs e DJs do funk (em sua grande maioria negros e favelados) e dançarinas de funk (algumas travestis e drag queens), confirmava não só a força agregadora dessa linguagem, como também sua capacidade de colocar em cena sujeitos que são tratados como invisíveis. Por meio do funk, as vozes desses sujeitos, habitantes de posições sociais tão distantes dos padrões hegemônicos de uma classe média branca, faziam-se ouvir.
A linguagem do funk não é uma forma abstrata de transmitir conhecimento na qual o emissor passa a mensagem ao receptor, que a assimila de forma passiva. Quando encenam o ritmo e a poesia (rap) no microfone, esses MCs “performativizam” a sua experiência de tal modo que essa experiência parece ser recriada naquele momento e naquela pessoa que a recebe. Assim, antes de deixar a tribuna, MC Leonardo finalizara a sua fala cantando, fazendo com que o funk fosse vivido por todos ali. Ainda que de forma silenciosa, a plenária acompanhava a realidade do funk e dos seus sujeitos, à medida que o MC entoava o seguinte rap, composto em parceria com seu irmão, MC Junior.
Tá tudo errado
Comunidade que vive a vontade
Com mais liberdade tem mais pra colher
Pois alguns caminhos pra felicidade
São paz, cultura e lazer
Comunidade que vive acuada
Tomando porrada de todos os lados
Fica mais longe da tal esperança
Os menor vão crescendo tudo revoltado
Não se combate crime organizado
Mandando blindado pra beco e viela
Pois só vai gerar mais ira
Naqueles que moram dentro da favela
Sou favelado e exijo respeito
São só meus direitos que eu peço aqui
Pé na porta sem mandado
Tem que ser condenado
Não pode existir
Está tudo errado
É até difícil explicar
Mas do jeito que a coisa está indo
Já passou da hora do bicho pegar
Está tudo errado
Difícil entender também
Tem gente plantando o mal
Querendo colher o bem
Mãe sem emprego
Filho sem escola
É o ciclo que rola naquele lugar
São milhares de história
Que no fim são as mesmas
Podem reparar
Sinceramente não tenho a saída
De como devia tal ciclo parar
Mas do jeito que estão nos tratando
Só estão ajudando esse mal se alastrar
Morre polícia, morre vagabundo
E no mesmo segundo
Outro vem ocupar
O lugar daquele que um dia se foi
Pior que depois geral deixa pra lá
Agora amigo, o papo é contigo
Só um aviso pra finalizar
O futuro da favela depende do fruto que tu for
plantar
Comunidade que vive a vontade
Com mais liberdade tem mais pra colher
Pois alguns caminhos pra felicidade
São paz, cultura e lazer
Comunidade que vive acuada
Tomando porrada de todos os lados
Fica mais longe da tal esperança
Os menor vão crescendo tudo revoltado
Não se combate crime organizado
Mandando blindado pra beco e viela
Pois só vai gerar mais ira
Naqueles que moram dentro da favela
Sou favelado e exijo respeito
São só meus direitos que eu peço aqui
Pé na porta sem mandado
Tem que ser condenado
Não pode existir
Está tudo errado
É até difícil explicar
Mas do jeito que a coisa está indo
Já passou da hora do bicho pegar
Está tudo errado
Difícil entender também
Tem gente plantando o mal
Querendo colher o bem
Mãe sem emprego
Filho sem escola
É o ciclo que rola naquele lugar
São milhares de história
Que no fim são as mesmas
Podem reparar
Sinceramente não tenho a saída
De como devia tal ciclo parar
Mas do jeito que estão nos tratando
Só estão ajudando esse mal se alastrar
Morre polícia, morre vagabundo
E no mesmo segundo
Outro vem ocupar
O lugar daquele que um dia se foi
Pior que depois geral deixa pra lá
Agora amigo, o papo é contigo
Só um aviso pra finalizar
O futuro da favela depende do fruto que tu for
plantar
O rap, como muitas outras manifestações da diáspora negra, são verdadeiras lutas por representação. Os significados tecidos neste rap e o próprio local (a ALERJ) em que esses eram encenados situavam a dimensão profundamente política das manifestações artísticas. Ali, ser artista e ser poeta eram papéis inseparáveis do ativismo político. Com o seu rap, o MC mostrava como o “papo” dos funkeiros possui um significado muito específico. Por meio desse “papo”, o MC estabelecia um diálogo sobre muitos aspectos da realidade, freqüentemente negligenciados pelas narrativas oficias da cultura letrada.
Naquele momento, o MC desafiava os sentidos das representações hegemônicas – o próprio titulo do rap já antecipa isto – “está tudo errado”. Nas narrativas oficiais, a favela é significada como o espaço da incivilidade para a qual o Estado fornece apenas a política “dos blindados em becos e vielas”. Por meio desses atos de fala líricos, o MC denuncia o que, freqüentemente, tem sido apontado por alguns estudiosos como uma das faces mais perversas do período de devastação neoliberal. Segundo Facina (2008), tal período é marcado pela substituição do
Estado de Bem Estar Social pelo Estado Penal, destinando aos pobres a força policial ou a cadeia. Abandonados os sonhos de uma incorporação à sociedade de consumo via emprego, restou à classe trabalhadora o lugar de humanidade supérflua e, portanto, menos humana do que aqueles que são considerados a “boa sociedade”.
“Comunidade acuada”, “Mãe sem emprego”, “filho sem escola” são os termos que encenam e constituem a “realidade” daqueles que não são considerados pelo poder público como a “boa sociedade”. MC Leonardo não enunciava, apenas, como um funkeiro, mas como um “favelado”. O artista estabelecia, assim, vínculos com o seu local e com a sua comunidade e, além disso, mostrava que a discriminação contra o funk está inserida em um contexto mais amplo de criminalização das comunidades pobres e dos favelados.
Naquela manhã, a linguagem funcionava em toda a sua dimensão performativa, ou seja, não havia distinção entra o falar e o agir. O funk não buscava mostrar a “verdade” por trás das palavras ditas, mas constituía a “verdade” nas suas próprias palavras. Usando-as como uma “arma”, o MC tecia ritmicamente a verdade de seu “papo”: as representações e os sentidos das vozes historicamente marginalizadas. Com o seu “papo”, o MC construía uma narrativa e instaurava explicitamente um interlocutor, o “amigo”.
E como a força de um ato de fala sempre nos interpela, fazendo com que a história tenha tempo presente, o MC avisa, desafia e exigi diálogo com o poder público: “Agora amigo, o papo é contigo/só um aviso pra finalizar/ o futuro da favela depende do fruto que tu for plantar”.
Créditos Texto: Adriana Carvalho Lopes (Drica Lopes)
"Se você e/ou sua empresa possui os direitos de alguma imagem/reportagem e não quer que ela apareça no Funk de Raiz, por favor entrar em contato. Serão prontamente removidas".
Naquele momento, o MC desafiava os sentidos das representações hegemônicas – o próprio titulo do rap já antecipa isto – “está tudo errado”. Nas narrativas oficiais, a favela é significada como o espaço da incivilidade para a qual o Estado fornece apenas a política “dos blindados em becos e vielas”. Por meio desses atos de fala líricos, o MC denuncia o que, freqüentemente, tem sido apontado por alguns estudiosos como uma das faces mais perversas do período de devastação neoliberal. Segundo Facina (2008), tal período é marcado pela substituição do
Estado de Bem Estar Social pelo Estado Penal, destinando aos pobres a força policial ou a cadeia. Abandonados os sonhos de uma incorporação à sociedade de consumo via emprego, restou à classe trabalhadora o lugar de humanidade supérflua e, portanto, menos humana do que aqueles que são considerados a “boa sociedade”.
“Comunidade acuada”, “Mãe sem emprego”, “filho sem escola” são os termos que encenam e constituem a “realidade” daqueles que não são considerados pelo poder público como a “boa sociedade”. MC Leonardo não enunciava, apenas, como um funkeiro, mas como um “favelado”. O artista estabelecia, assim, vínculos com o seu local e com a sua comunidade e, além disso, mostrava que a discriminação contra o funk está inserida em um contexto mais amplo de criminalização das comunidades pobres e dos favelados.
Naquela manhã, a linguagem funcionava em toda a sua dimensão performativa, ou seja, não havia distinção entra o falar e o agir. O funk não buscava mostrar a “verdade” por trás das palavras ditas, mas constituía a “verdade” nas suas próprias palavras. Usando-as como uma “arma”, o MC tecia ritmicamente a verdade de seu “papo”: as representações e os sentidos das vozes historicamente marginalizadas. Com o seu “papo”, o MC construía uma narrativa e instaurava explicitamente um interlocutor, o “amigo”.
E como a força de um ato de fala sempre nos interpela, fazendo com que a história tenha tempo presente, o MC avisa, desafia e exigi diálogo com o poder público: “Agora amigo, o papo é contigo/só um aviso pra finalizar/ o futuro da favela depende do fruto que tu for plantar”.
Créditos Texto: Adriana Carvalho Lopes (Drica Lopes)
"Se você e/ou sua empresa possui os direitos de alguma imagem/reportagem e não quer que ela apareça no Funk de Raiz, por favor entrar em contato. Serão prontamente removidas".
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