Sem "proibidão", morro da Dona Marta (RJ) se adapta à vida enquadrada
18:05"Eu vou te dar o papo reto. Acabei de fumar maconha. O que é que você quer saber?", diz Márcio (nome fictício), morador da comunidade Santa Marta, no Rio de Janeiro, escondendo o bolo de notas de R$ 50 no bolso, tatuagem com nome feminino no braço. "É verdade que aqui não tem mais baile funk?", pergunto. "É. A proibição ainda tá falando. Acabaram com a diversão da comunidade."
É noite na favela, encravada no morro Dona Marta, bairro de Botafogo, zona sul do Rio de Janeiro. Famosa nas páginas de Caco Barcellos, em "Abusado", a comunidade já não é mais o retrato fiel do livro. Há quase um ano, é controlada pela polícia e divulgada como "favela modelo" na chamada política de policiamento de proximidade, da atual gestão. Segundo o governo do Estado, tiroteios, guerra do tráfico, briga entre facções, lá, não existem mais.
* Daniel Plá/Colaboração
Com uma das mais belas vistas do Rio de Janeiro, a favela Santa Marta está no morro Dona Marta, encravado na zona sul, em Botafogo; o local já serviu de cenário para um clipe do cantor Michael Jackson, "They don't care about us", gravado nas ruas da comunidade em 1996
No sábado, por volta das 23h, em outro beco, é quase impossível ver os cinco garotos que encrencam com o flash da câmera fotográfica. "Tá tirando foto de quê? Aqui não pode tirar foto da comunidade não, tira só dos barracos", grita um deles, quase tomando a máquina. Nenhum policial por perto.
Nas ruas estreitas, em certos trechos só transitáveis por causa da lua cheia, tampouco se vê traficantes, como os que fizeram a segurança do cantor Michael Jackson no local que serviu de cenário do clipe "They don't care about us". Câmeras, hoje, só as de segurança, que monitoram diversos pontos da comunidade. A procura é pelo forró da Toinha, que começaria logo mais em uma das praças. "Não vai ter hoje não, foi proibido. É ordem do novo dono do morro."
* Rosanne D'Agostino/UOL
Na entrada da associação de moradores da Santa Marta, a crítica em forma de sátira estampa o cartaz sobre as câmeras de segurança instaladas na comunidade, que monitoram o local 24 horas
O dono a que se referem os adolescentes, que conversam na entrada principal apontando com a cabeça, a contragosto, para cima, é a polícia. Desde dezembro de 2008, no topo do Dona Marta, a UPP (Unidade de Policiamento Pacificadora) dita as regras sob o comando da capitão Pricilla de Oliveira Azevedo, a responsável por manter a desordem do lado de fora.
A capitão confirma a versão do governo. Não existe mais tráfico no morro. "O que tem é consumo, como existe em qualquer lugar", afirma. Também não tem tiroteio e é possível entrar na favela durante o dia e também à noite. O que ainda há, diz a policial, é o preconceito de entrar. "Quando me perguntam, eu falo: pode ir sozinho que eu garanto."
Pricilla está na Santa Marta desde a instalação da UPP e, um ano depois, classifica a ocupação de bem sucedida. "Não digo nem que houve uma resistência no começo. Os moradores não sabiam qual era o nosso objetivo. Eles conheciam a polícia só através das operações", diz.
98% de aprovação?
Há quem discorde, porém, da presença permanente da polícia. Segundo Pricilla, "são uma pequena parcela, de uns 2%, que não gostam da nossa presença". "Mas essas são aquelas pessoas que foram prejudicadas com a vinda da polícia. Que se beneficiavam direta ou indiretamente com o tráfico. Pelo cidadão de bem, nós sempre somos bem tratados."
Ocorrências recentes envolvendo conflitos entre moradores e policiais, no entanto, mostram que a paz não reina absoluta no morro. Na Defensoria Pública do Estado, correm quatro denúncias de abuso supostamente praticados por policiais contra moradores. O contrário também ocorre. No dia 8 de novembro, um policial teve a farda rasgada e sofreu arranhões após abordar um adolescente que estaria portando drogas. Dez pessoas foram detidas e levadas à delegacia.
Especial sobre os confrontos no Rio
* Antonio Scorza/AFP
Policiais confrontam traficantes durante operação na favela Vila Cruzeiro, no bairro da Penha, no Rio de Janeiro; mais de 40 pessoas morreram nos últimos confrontos em favelas da zona norte, que tiveram início no dia 17 de outubro
A ocupação tem os mesmos 120 agentes desde o início, que realizam o patrulhamento 24 horas da comunidade desde o início. Antes da UPP, operações de pacificação foram realizadas para expulsar o tráfico, com maior rigidez. "Essa não rotatividade facilitou nosso trabalho, porque os policiais ganham um maior comprometimento. Então, quando eram as operações para a entrada da polícia e a expulsão do tráfico, havia maior rigidez. Agora já não há mais", avalia Pricilla.
A maior crítica dos moradores à polícia, porém, é outra: a rédea não seria tão frouxa quando o assunto é o baile funk e outros tipos de festa que não são realizados mais na favela. Antes, aconteciam todos os finais de semana. "Olha, eu não gosto nem de te falar sobre isso, porque eu tenho a minha opinião, tenho a minha visão e para não criar polêmica na comunidade. Eles têm com se divertir, mas com o limite de qualquer cidadão", diz a comandante.
Tá tudo "proibidão"
"Vai fazer um ano que não tem mais baile funk aqui. A gente fica desanimado, sem nada para curtir. Vinha gente de fora", reclama Juliana, 16. "Nem precisa ser 'proibidão [gênero de funk com obscenidades e apologia à violência e ao tráfico]', pode ser baile mais leve." A estudante e as amigas passeiam pela comunidade na escuridão de mais de meia noite. "Mas pode ir ao baile com essa idade?" "Aqui no morro, pode", dizem.
O funk surgido nos anos 1960 nas mãos de James Brown não é o mesmo dos morros cariocas. O ritmo se popularizou nos anos 90, mas também virou alvo de preconceito em razão das crescentes brigas nos bailes, a maioria realizado nas favelas. A 'indústria do funk', que hoje privilegia o erotismo e até a vulgaridade, faturava R$ 10 milhões por mês no Estado até o ano passado.
* Rosanne D'Agostino/UOL
Baile funk, para os moradores da Santa Marta, só fora da favela. "Olha, eu não gosto nem de te falar sobre isso, porque eu tenho a minha opinião, tenho a minha visão e para não criar polêmica", diz a capitão Pricilla, que comanda a UPP (Unidade de Policiamento Pacificadora) na comunidade
Os bailes, contudo, foram alvo de ataques após a morte do jornalista Tim Lopes, que desapareceu em 2 de junho de 2002 na Vila Cruzeiro, parte do complexo do Alemão, depois de ser capturado por traficantes ligados a Elias Maluco quando fazia reportagem sobre um baile funk, onde haveria consumo de drogas e sexo explícito.
MC Leonardo, presidente da Apafunk (Associação dos Profissionais e Amigos do Funk), defende que hoje ainda há muita desinformação e que os bailes, embora impedidos pela polícia em muitas comunidades, não estão proibidos. Ele cita duas leis aprovadas em setembro deste ano - uma que reconhece o estilo como movimento cultural de caráter popular e outra que, na prática, impede o fechamento dos bailes pela polícia no Estado.
"Nenhuma lei faz mudanças de um dia para o outro. Os bailes que estão na boca-de-fumo, até eu sou contra. Mas o problema não é o baile, é a boca-de-fumo. Então, tem que acabar com ela. A secretaria diz que todo mundo que trabalha com esse ritmo é traficante. O Estado então que crie mecanismos para fazer o baile nas quadras, da favela, respeitando a lei. Acabar com o baile é covardia", critica.
Leonardo nasceu na Rocinha, uma das maiores favelas do país, e compôs o "Rap das Armas", abertura do filme Tropa de Elite. "Existe violência em todo canto da cidade", diz em sua música. A mesma defesa faz sobre o funk: "Quem diz que o funk é fachada para o tráfico são pessoas totalmente fascistas. Cobrar puritanismo do funk é o mesmo que cobrar isso de um filho abandonado. O governo nunca gastou com baile e agora reclama."
Para especialista, baile funk não é questão da polícia, é problema do Estado
Para o sociólogo e pesquisador de segurança pública, Ignacio Cano, mesmo com arestas a serem corrigidas, já que se trata de um modelo experimental (apenas cinco de mais de 1.000 favelas estão ocupadas), a UPP é a saída para acabar com o tráfico e a criminalidade nas favelas. "É um passo efetivo em contraponto com a política de confrontamento, que resulta a cada dia em mais mortes", afirma. Já sobre as restrições a manifestações culturais, como o baile funk, ele acredita que não se trata de um problema específico da UPP, mas sim, de uma política do Estado que dá esse poder à polícia.
"Baile funk virar questão de polícia é errado. Isso, porém, é um problema do Estado, que trata todos como se fossem criminosos. Em outras comunidades, ocorre o mesmo"
O MC diz ainda que a situação no Dona Marta é comum no Rio de Janeiro. "O governo vai vender agora as UPPs. Quero fazer um alerta de que essa é uma transição de poderes nova, inédita. Nunca houve uma intervenção dessa natureza. Mas isso está deixando certos direitos de lado. O Estado já teria que ter destinado espaço para essas atividades culturais."
"A polícia tem que ser avisada, e não dar permissão. A polícia não tem esse poder. Aqui no Rio, parece que não é assim. Às 23h já tem que estar dentro de casa? A favela é feita de jovens, e isso não é bom. Eles querem sair, tomar a sua cerveja, mas não. Criam limites de ir e vir", defende Leonardo. "Direito não se implora, se exige."
Segundo Mário, com a ocupação, não há baile funk, mas outras atividades culturais durante o dia. "A juventude foi podada, quer o baile, porque é a cultura do carioca. Mas tem que funcionar dentro da lei, porque tem vizinho que reclama do barulho. A questão é de organização", avalia.
"Onde tem polícia acontece coisa que nem do tempo da ditadura. Tem policial que chega e fala: 'Circulando, circulando'. Eu que não vendo droga, não vendo arma, acabo sofrendo. Qual o objetivo da UPP? As pessoas precisam se divertir também. Imagine nesse calor, você ter um toque de recolher?", indigna-se Leonardo.
"As comunidades não podem aceitar a mordaça. Porque para esse poder trancado ali sair depois não demora muito. Que tempo é esse? É de quanto tempo essa transição [da ocupação da polícia]?", questiona o MC, que pede mobilização. "Hoje, a polícia faz o que quer e, se quer saber a minha opinião, eu acho um retrocesso."
Sobre uma possível saída da polícia do Dona Marta, a capitão Pricilla é tácita. "A gente não tem essa possibilidade, não tem fundamento."
Outros tempos
Ainda assim, a presença do Estado é vista na comunidade de cerca de 9.000 moradores nas melhorias, como a construção de casas de alvenaria, a organização dos postes de luz, instalação de rede de esgoto e de abastecimento de água e, principalmente, na organização do correio.
* Rosanne D'Agostino/UOL
A chegada da polícia também pode ser vista nas melhorias. As cartas são recebidas na Associação de Moradores, onde estão organizadas por endereço e tipo de correspondência. Enquanto isso, na zona norte do Rio, os carteiros sofrem com a violência de confrontos que, somente em outubro deste ano, terminaram com a morte de mais de 40
Na Santa Marta, as cartas são recebidas na Associação de Moradores, onde estão organizadas por endereço e tipo de correspondência. Enquanto isso, na zona norte do Rio, os carteiros sofrem com a violência de confrontos que, somente em outubro deste ano, terminaram com a morte de mais de 40 pessoas.
A comunidade também ganhou escolinha de caratê, em parceria da Polícia Militar em com a Superintendência de Desporto do Estado (Suderj), cujo objetivo é promover a interação da polícia com a comunidade.
Carlos Gomes de Castro, 54 anos de morro, é filho do homem que construiu a mais antiga casa de madeira, que sobrevive em meio a outras poucas semelhantes que ainda restam no centro do morro. "A gente vai ganhar um apartamento na comunidade e então vão demolir esta, que está ficando perigoso", afirma.
A favela também foi a primeira do Rio de Janeiro a ter implantada uma rede de internet sem fio, que atende toda a comunidade. Segundo o presidente da associação, o maior problema ainda é o da iluminação pública. "É uma demanda urgente, que estamos lutando para que melhore. É um problema que está bem gritante e pode se tornar de segurança pública", diz a capitão Pricilla.
"Isso tudo se deve não só ao trabalho da Polícia Militar, como também ao trabalho da Secretaria de Segurança, Cultura, Educação. Com a presença do poder público, dá para fazer muito mais coisa", afirma a policial. "A Santa Marta não se tornou o melhor lugar do mundo, mas se tornou a melhor comunidade para se viver", diz.
Créditos: UOL Notícias
Créditos Foto: Márcio Santos
Agora o Funk de Raiz te pergunta. Qual sua opinião sobre tudo isso?
É noite na favela, encravada no morro Dona Marta, bairro de Botafogo, zona sul do Rio de Janeiro. Famosa nas páginas de Caco Barcellos, em "Abusado", a comunidade já não é mais o retrato fiel do livro. Há quase um ano, é controlada pela polícia e divulgada como "favela modelo" na chamada política de policiamento de proximidade, da atual gestão. Segundo o governo do Estado, tiroteios, guerra do tráfico, briga entre facções, lá, não existem mais.
* Daniel Plá/Colaboração
Com uma das mais belas vistas do Rio de Janeiro, a favela Santa Marta está no morro Dona Marta, encravado na zona sul, em Botafogo; o local já serviu de cenário para um clipe do cantor Michael Jackson, "They don't care about us", gravado nas ruas da comunidade em 1996
No sábado, por volta das 23h, em outro beco, é quase impossível ver os cinco garotos que encrencam com o flash da câmera fotográfica. "Tá tirando foto de quê? Aqui não pode tirar foto da comunidade não, tira só dos barracos", grita um deles, quase tomando a máquina. Nenhum policial por perto.
Nas ruas estreitas, em certos trechos só transitáveis por causa da lua cheia, tampouco se vê traficantes, como os que fizeram a segurança do cantor Michael Jackson no local que serviu de cenário do clipe "They don't care about us". Câmeras, hoje, só as de segurança, que monitoram diversos pontos da comunidade. A procura é pelo forró da Toinha, que começaria logo mais em uma das praças. "Não vai ter hoje não, foi proibido. É ordem do novo dono do morro."
* Rosanne D'Agostino/UOL
Na entrada da associação de moradores da Santa Marta, a crítica em forma de sátira estampa o cartaz sobre as câmeras de segurança instaladas na comunidade, que monitoram o local 24 horas
O dono a que se referem os adolescentes, que conversam na entrada principal apontando com a cabeça, a contragosto, para cima, é a polícia. Desde dezembro de 2008, no topo do Dona Marta, a UPP (Unidade de Policiamento Pacificadora) dita as regras sob o comando da capitão Pricilla de Oliveira Azevedo, a responsável por manter a desordem do lado de fora.
A capitão confirma a versão do governo. Não existe mais tráfico no morro. "O que tem é consumo, como existe em qualquer lugar", afirma. Também não tem tiroteio e é possível entrar na favela durante o dia e também à noite. O que ainda há, diz a policial, é o preconceito de entrar. "Quando me perguntam, eu falo: pode ir sozinho que eu garanto."
Pricilla está na Santa Marta desde a instalação da UPP e, um ano depois, classifica a ocupação de bem sucedida. "Não digo nem que houve uma resistência no começo. Os moradores não sabiam qual era o nosso objetivo. Eles conheciam a polícia só através das operações", diz.
98% de aprovação?
Há quem discorde, porém, da presença permanente da polícia. Segundo Pricilla, "são uma pequena parcela, de uns 2%, que não gostam da nossa presença". "Mas essas são aquelas pessoas que foram prejudicadas com a vinda da polícia. Que se beneficiavam direta ou indiretamente com o tráfico. Pelo cidadão de bem, nós sempre somos bem tratados."
Ocorrências recentes envolvendo conflitos entre moradores e policiais, no entanto, mostram que a paz não reina absoluta no morro. Na Defensoria Pública do Estado, correm quatro denúncias de abuso supostamente praticados por policiais contra moradores. O contrário também ocorre. No dia 8 de novembro, um policial teve a farda rasgada e sofreu arranhões após abordar um adolescente que estaria portando drogas. Dez pessoas foram detidas e levadas à delegacia.
Especial sobre os confrontos no Rio
* Antonio Scorza/AFP
Policiais confrontam traficantes durante operação na favela Vila Cruzeiro, no bairro da Penha, no Rio de Janeiro; mais de 40 pessoas morreram nos últimos confrontos em favelas da zona norte, que tiveram início no dia 17 de outubro
A ocupação tem os mesmos 120 agentes desde o início, que realizam o patrulhamento 24 horas da comunidade desde o início. Antes da UPP, operações de pacificação foram realizadas para expulsar o tráfico, com maior rigidez. "Essa não rotatividade facilitou nosso trabalho, porque os policiais ganham um maior comprometimento. Então, quando eram as operações para a entrada da polícia e a expulsão do tráfico, havia maior rigidez. Agora já não há mais", avalia Pricilla.
A maior crítica dos moradores à polícia, porém, é outra: a rédea não seria tão frouxa quando o assunto é o baile funk e outros tipos de festa que não são realizados mais na favela. Antes, aconteciam todos os finais de semana. "Olha, eu não gosto nem de te falar sobre isso, porque eu tenho a minha opinião, tenho a minha visão e para não criar polêmica na comunidade. Eles têm com se divertir, mas com o limite de qualquer cidadão", diz a comandante.
Tá tudo "proibidão"
"Vai fazer um ano que não tem mais baile funk aqui. A gente fica desanimado, sem nada para curtir. Vinha gente de fora", reclama Juliana, 16. "Nem precisa ser 'proibidão [gênero de funk com obscenidades e apologia à violência e ao tráfico]', pode ser baile mais leve." A estudante e as amigas passeiam pela comunidade na escuridão de mais de meia noite. "Mas pode ir ao baile com essa idade?" "Aqui no morro, pode", dizem.
O funk surgido nos anos 1960 nas mãos de James Brown não é o mesmo dos morros cariocas. O ritmo se popularizou nos anos 90, mas também virou alvo de preconceito em razão das crescentes brigas nos bailes, a maioria realizado nas favelas. A 'indústria do funk', que hoje privilegia o erotismo e até a vulgaridade, faturava R$ 10 milhões por mês no Estado até o ano passado.
* Rosanne D'Agostino/UOL
Baile funk, para os moradores da Santa Marta, só fora da favela. "Olha, eu não gosto nem de te falar sobre isso, porque eu tenho a minha opinião, tenho a minha visão e para não criar polêmica", diz a capitão Pricilla, que comanda a UPP (Unidade de Policiamento Pacificadora) na comunidade
Os bailes, contudo, foram alvo de ataques após a morte do jornalista Tim Lopes, que desapareceu em 2 de junho de 2002 na Vila Cruzeiro, parte do complexo do Alemão, depois de ser capturado por traficantes ligados a Elias Maluco quando fazia reportagem sobre um baile funk, onde haveria consumo de drogas e sexo explícito.
MC Leonardo, presidente da Apafunk (Associação dos Profissionais e Amigos do Funk), defende que hoje ainda há muita desinformação e que os bailes, embora impedidos pela polícia em muitas comunidades, não estão proibidos. Ele cita duas leis aprovadas em setembro deste ano - uma que reconhece o estilo como movimento cultural de caráter popular e outra que, na prática, impede o fechamento dos bailes pela polícia no Estado.
"Nenhuma lei faz mudanças de um dia para o outro. Os bailes que estão na boca-de-fumo, até eu sou contra. Mas o problema não é o baile, é a boca-de-fumo. Então, tem que acabar com ela. A secretaria diz que todo mundo que trabalha com esse ritmo é traficante. O Estado então que crie mecanismos para fazer o baile nas quadras, da favela, respeitando a lei. Acabar com o baile é covardia", critica.
Leonardo nasceu na Rocinha, uma das maiores favelas do país, e compôs o "Rap das Armas", abertura do filme Tropa de Elite. "Existe violência em todo canto da cidade", diz em sua música. A mesma defesa faz sobre o funk: "Quem diz que o funk é fachada para o tráfico são pessoas totalmente fascistas. Cobrar puritanismo do funk é o mesmo que cobrar isso de um filho abandonado. O governo nunca gastou com baile e agora reclama."
Para especialista, baile funk não é questão da polícia, é problema do Estado
Para o sociólogo e pesquisador de segurança pública, Ignacio Cano, mesmo com arestas a serem corrigidas, já que se trata de um modelo experimental (apenas cinco de mais de 1.000 favelas estão ocupadas), a UPP é a saída para acabar com o tráfico e a criminalidade nas favelas. "É um passo efetivo em contraponto com a política de confrontamento, que resulta a cada dia em mais mortes", afirma. Já sobre as restrições a manifestações culturais, como o baile funk, ele acredita que não se trata de um problema específico da UPP, mas sim, de uma política do Estado que dá esse poder à polícia.
"Baile funk virar questão de polícia é errado. Isso, porém, é um problema do Estado, que trata todos como se fossem criminosos. Em outras comunidades, ocorre o mesmo"
O MC diz ainda que a situação no Dona Marta é comum no Rio de Janeiro. "O governo vai vender agora as UPPs. Quero fazer um alerta de que essa é uma transição de poderes nova, inédita. Nunca houve uma intervenção dessa natureza. Mas isso está deixando certos direitos de lado. O Estado já teria que ter destinado espaço para essas atividades culturais."
"A polícia tem que ser avisada, e não dar permissão. A polícia não tem esse poder. Aqui no Rio, parece que não é assim. Às 23h já tem que estar dentro de casa? A favela é feita de jovens, e isso não é bom. Eles querem sair, tomar a sua cerveja, mas não. Criam limites de ir e vir", defende Leonardo. "Direito não se implora, se exige."
Segundo Mário, com a ocupação, não há baile funk, mas outras atividades culturais durante o dia. "A juventude foi podada, quer o baile, porque é a cultura do carioca. Mas tem que funcionar dentro da lei, porque tem vizinho que reclama do barulho. A questão é de organização", avalia.
"Onde tem polícia acontece coisa que nem do tempo da ditadura. Tem policial que chega e fala: 'Circulando, circulando'. Eu que não vendo droga, não vendo arma, acabo sofrendo. Qual o objetivo da UPP? As pessoas precisam se divertir também. Imagine nesse calor, você ter um toque de recolher?", indigna-se Leonardo.
"As comunidades não podem aceitar a mordaça. Porque para esse poder trancado ali sair depois não demora muito. Que tempo é esse? É de quanto tempo essa transição [da ocupação da polícia]?", questiona o MC, que pede mobilização. "Hoje, a polícia faz o que quer e, se quer saber a minha opinião, eu acho um retrocesso."
Sobre uma possível saída da polícia do Dona Marta, a capitão Pricilla é tácita. "A gente não tem essa possibilidade, não tem fundamento."
Outros tempos
Ainda assim, a presença do Estado é vista na comunidade de cerca de 9.000 moradores nas melhorias, como a construção de casas de alvenaria, a organização dos postes de luz, instalação de rede de esgoto e de abastecimento de água e, principalmente, na organização do correio.
* Rosanne D'Agostino/UOL
A chegada da polícia também pode ser vista nas melhorias. As cartas são recebidas na Associação de Moradores, onde estão organizadas por endereço e tipo de correspondência. Enquanto isso, na zona norte do Rio, os carteiros sofrem com a violência de confrontos que, somente em outubro deste ano, terminaram com a morte de mais de 40
Na Santa Marta, as cartas são recebidas na Associação de Moradores, onde estão organizadas por endereço e tipo de correspondência. Enquanto isso, na zona norte do Rio, os carteiros sofrem com a violência de confrontos que, somente em outubro deste ano, terminaram com a morte de mais de 40 pessoas.
A comunidade também ganhou escolinha de caratê, em parceria da Polícia Militar em com a Superintendência de Desporto do Estado (Suderj), cujo objetivo é promover a interação da polícia com a comunidade.
Carlos Gomes de Castro, 54 anos de morro, é filho do homem que construiu a mais antiga casa de madeira, que sobrevive em meio a outras poucas semelhantes que ainda restam no centro do morro. "A gente vai ganhar um apartamento na comunidade e então vão demolir esta, que está ficando perigoso", afirma.
A favela também foi a primeira do Rio de Janeiro a ter implantada uma rede de internet sem fio, que atende toda a comunidade. Segundo o presidente da associação, o maior problema ainda é o da iluminação pública. "É uma demanda urgente, que estamos lutando para que melhore. É um problema que está bem gritante e pode se tornar de segurança pública", diz a capitão Pricilla.
"Isso tudo se deve não só ao trabalho da Polícia Militar, como também ao trabalho da Secretaria de Segurança, Cultura, Educação. Com a presença do poder público, dá para fazer muito mais coisa", afirma a policial. "A Santa Marta não se tornou o melhor lugar do mundo, mas se tornou a melhor comunidade para se viver", diz.
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